Coluna publicada na TRIBUNA DA IMPRENSA de 14 de novembro de 2005
“Ao voltar à liça desfraldando as velhas bandeiras do liberalismo e da grande propriedade, os maragatos do novo milênio constrangem-se apenas em envergar aquele que foi a mais querida marca material de seus ancestrais sociais e ideológicos, já que ela constitui hoje o símbolo de tudo que abominam e daqueles que combatem – o orgulhoso lenço vermelho que, negando-se a aceitar qualquer derrota, retorna sempre bizarro ao combate”.
Mário Maéstri, professor, em “a segunda morte de Júlio de Castilhos”
Revista Espaço Acadêmico,
http://www.espacoacademico.com.br/030/30maesti.htm
Em homenagem à memória do maior patriota que conheci, tenho guardado respeitoso silêncio sobre os descaminhos do PDT depois de sua morte. Há em sua legenda ainda algumas figuras admiráveis, como Alceu Colares, Nilo Batista e Cidinha Campos e, em meio a essa pocilga de partidos políticos impudicos, não o vejo como pior ou melhor do que os outros.
Depois de militar em suas fileiras estoicamente desde o primeiro dia, resistindo até mesmo a pressões que o sentimento de gratidão pessoal impunha, optei por desfiliar-me silenciosamente no dia 1 de maio passado.
Não fiz alarde, não joguei pedra, mas tinha concluído que não cabia mais ali, já que o partido que se dizia o caminho brasileiro para o socialismo acolhia qualquer carreirista, que se serviria de sua legenda histórica para maquiar a imagem, embora recorresse igualmente às piores práticas do clientelismo e da manipulação da fé.
Mas o comportamento dos seus deputados federais nos últimos episódios republicanos me obriga a repetir alto e bom som: não me confunda com esses arrivistas, eu já não tenho nada com eles.
Capitular agora em relação a essa camarilha que vem sendo desmascarada diariamente, por todos os poros, é promover, de forma vergonhosa, o segundo enterro do Brizola. O velho não merecia isso.
Porque Brizola sofria de peito aberto os presságios que a astúcia do sistema altamente sofisticado montava contra o povo. Ele sabia muito bem quem era o “sapo barbudo”, tinha clareza que este fora fabricado por um conluio espúrio e heterogêneo só para impedir que ele assumisse a Presidência da República com sua alma nacionalista e seu cérebro tocado pela atávica sede de justiça social.
Ele foi covardemente esmagado e o último golpe que sofreu foi ter que constatar, na hora da verdade, que Lula era aquilo mesmo, a esquerda que a direita gosta, como proclamara Darcy Ribeiro, este sim, um sábio, um mestre, alguém que só nasce de quando em quando.
Brizola, no entanto, como camponês, como homem sem a malícia que a modernidade produziu, essa malícia à prova de antibióticos, se deixava encantar por quem fosse mais hábil na bajulação compensatória.
Era da mesma cepa de Júlio de Castilhos, o chefe republicano que fez escola, mesmo tendo morrido aos 43 anos. Escola que influenciaria os passos de Getúlio Vargas em sua essência ontológica: a consciência de uma mudança inevitável, mas sujeita aos trancos do inesperado, dos fantasmas e das incertezas.
Esses espectros geraram as sereias domésticas cujos cantos faziam de Brizola paradoxalmente um homem de visão larga diante da compreensão do mundo e um míope na observação do seu convívio, até porque amargava a distância política da descendência, sofrimento que se tornou ainda mais doloroso depois da morte de dona Neuza, seu anjo da guarda.
Como ele era de uma família de longevos, jamais imaginaria que fosse morrer nos seus joviais 82 anos. Quanto à sua saúde, era um descuidado incorrigível. Porque se sentia ele próprio um solitário predestinado e isso alimentava um certo sonho de que sua hora, a hora do Brasil, ainda chegaria.
Depois que viu que a instituição partidária em si era uma ficção; depois das mortes de Darcy Ribeiro, Doutel de Andrade, Bocaiúva Cunha, Brandão Monteiro, Carmen Cynira, Lysâneas Maciel e de Luiz Carlos Prestes; depois de ver muitos de seus prediletos virando a casaca (alguns por serem vítimas das intrigas dos rivais), enquanto outros se envolviam com o que havia de pior, ele só acreditava mesmo numa mítica relação direta com o povo.
No fundo, no fundo, Brizola já não acreditava no próprio PDT, perdoem-me a sinceridade. Tanto que na eleição da sua última Executiva Nacional fez daquele que lhe parecia mais fiel, ao mesmo tempo vice-presidente, tesoureiro nacional e presidente do diretório regional do Rio de Janeiro, do qual cuidava pessoalmente.
Hoje, com essas atitudes de deputados oportunistas, com essa ausência de um comando visível e forte, com essas práticas injustificáveis e indefensáveis, pode-se dizer que o “brizolismo” no próprio PDT não passa de um recurso eleitoral, do qual se servem aqueles que, até mesmo com laços familiares, só pensam em suas próprias carreiras.
De onde não me surpreender nenhum tipo de aliança, nem de manobras, nem de acordos, nem de nada, até porque ninguém está aí mesmo para respeitar a memória de ninguém, nem o passado, nem o processo histórico.
Em assim sendo, só restar chorar porque Brizola já não está entre nós e ninguém se sente obrigado a ser coerente como ele sempre foi.
Porfirio muito lúcido o seu comentário estou de acôrdo com tudo
ResponderExcluirAbraços
Eduardo Homem